quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Vizinhança


10 minutos.
O trajeto do carro até a porta do prédio é suficiente para todos os tipos se cruzarem na mesma calçada.
As mulheres em saltos e cabelos escovados com bolsas e pastas gigantes carregam seus computadores de mão descem a rua em tropeços alternando entre a calçada cheia de plantinhas e buracos e a rua, transpirando sua a maquiagem rezando a cada passo para que nada de mal aconteça a seus sapatos.
Os dançarinos da companhia com suas roupas folgadas, sandálias ou sapatilhas sobem cantarolando em passos rápidos. Um outro grupo, brinca na praça filmando expressões e sons, fazendo caretas no meio da rua.
 É só prestar atenção para saber para onde se dirigem. O portão de madeira do estúdio de dança de onde se ouvem vozes o dia todo - eles cantam também.
O pai entra no carro com a menina de mochila nas costas mostrando a janelinha do dente de leite enquanto conta seu dia na escolinha.
E quando o carro sai, estaciona a mulher de cabelos curtos que tira o bebê da cadeirinha amarrando-o junto a si em um pano colorido: ela caminha em direção a uma casa onde mães se reúnem para trocar experiências e se exercitar carregando seus bebês bem próximos ao corpo- um clube de Sling.
Nesse vai e vem de gente não há mais espaço para os carros. Cada centímetro é disputado sob os olhos de senhorinhas que tomaram isso como passatempo. Há uma especial: a do muro amarelo.
Ela insiste e persiste em parar toda e qualquer viatura de polícia para reclamar do caos e da necessidade de placas proibitivas. Se bem que o passatempo dela não é de todo ruim. É ele que nos avisa cada vez que um caminhão maluco ameaça destruir qualquer retrovisor. Ah! E ela gosta de conversar também. Dá sempre um jeito de puxar assunto e dizer porque reclama, digo, se preocupa tanto. Vive pedindo um cartão (como se ela já não soubesse o nome e o carro de todos nós).
Há também o vigia. Ainda não entendi muito bem o que ele faz 12 horas dentro da casinha que fica na calçada. Vigia? Não tão óbvio assim. Sei que ele se refere a um dos vizinhos como "meu patrão" - o dono de uma casa escura e bastante movimentada. Sobre as 12 horas de trabalho eu sei porque ele já me contou. É mais um que gosta de assunto na calçada.
O outro vigia, o que fica aqui mais perto, tinha a função de resgatar as nossas tartarugas. Mas isso é outro assunto. Acho que hoje ele fica observando quem chega e quem sai da clínica de psicologia se perguntando intimamente qual a "loucura" de cada um - se ele olhar para o prédio da frente, nem precisa de muita criatividade: estamos em uma agência.
Não o vi por esses dias, mas pelo menos uma vez por semana o cachorro de rodinhas aparece. Sim. Ele tem rodinhas - acho que não dá para chamar de cadeira de rodas umas rodinhas que fazem as vezes de patas traseiras. Meu horário coincide com seu passeio e ele aparece sempre com a língua para fora, guiado pelo rapaz de moletom.
Os meninos de moletom. São vários e cada um deles trás no mínimo, quatro cachorros cada. São os "dog walkers" comuns por aqui.
É comum o susto ouvindo passos rápidos e respirações pesadas a noite enquanto se caminha por aqui. Há os atletas também que, transpirando, sobem e descem a Grajau infinitas vezes.
Buzinas. Acenos e cumprimentos. Enfim, há os conhecidos que transitam pelas mesmas calçadas que esses personagens que, ao que tudo indica, já estavam aqui quando chegamos.
Esses talvez nunca tenham percebido tudo isso. Mas é só olhar por lado e perceber a graça da vizinhança da Grajau.


originalmente publicado em: Literatura Cotidiana

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