10 minutos.
O trajeto do carro até
a porta do prédio é suficiente para todos os tipos se cruzarem na mesma
calçada.
As mulheres em saltos
e cabelos escovados com bolsas e pastas gigantes carregam seus computadores de
mão descem a rua em tropeços alternando entre a calçada cheia de plantinhas e
buracos e a rua, transpirando sua a maquiagem rezando a cada passo para que
nada de mal aconteça a seus sapatos.
Os dançarinos da
companhia com suas roupas folgadas, sandálias ou sapatilhas sobem cantarolando
em passos rápidos. Um outro grupo, brinca na praça filmando expressões e sons,
fazendo caretas no meio da rua.
É só prestar atenção para saber para onde se
dirigem. O portão de madeira do estúdio de dança de onde se ouvem vozes o dia
todo - eles cantam também.
O pai entra no carro
com a menina de mochila nas costas mostrando a janelinha do dente de leite
enquanto conta seu dia na escolinha.
E quando o carro sai,
estaciona a mulher de cabelos curtos que tira o bebê da cadeirinha amarrando-o
junto a si em um pano colorido: ela caminha em direção a uma casa onde mães se
reúnem para trocar experiências e se exercitar carregando seus bebês bem
próximos ao corpo- um clube de Sling.
Nesse vai e vem de
gente não há mais espaço para os carros. Cada centímetro é disputado sob os
olhos de senhorinhas que tomaram isso como passatempo. Há uma especial: a do
muro amarelo.
Ela insiste e persiste
em parar toda e qualquer viatura de polícia para reclamar do caos e da
necessidade de placas proibitivas. Se bem que o passatempo dela não é de todo
ruim. É ele que nos avisa cada vez que um caminhão maluco ameaça destruir
qualquer retrovisor. Ah! E ela gosta de conversar também. Dá sempre um jeito de
puxar assunto e dizer porque reclama, digo, se preocupa tanto. Vive pedindo um
cartão (como se ela já não soubesse o nome e o carro de todos nós).
Há também o vigia.
Ainda não entendi muito bem o que ele faz 12 horas dentro da casinha que fica
na calçada. Vigia? Não tão óbvio assim. Sei que ele se refere a um dos vizinhos
como "meu patrão" - o dono de uma casa escura e bastante movimentada.
Sobre as 12 horas de trabalho eu sei porque ele já me contou. É mais um que
gosta de assunto na calçada.
O outro vigia, o que
fica aqui mais perto, tinha a função de resgatar as nossas tartarugas. Mas isso
é outro assunto. Acho que hoje ele fica observando quem chega e quem sai da
clínica de psicologia se perguntando intimamente qual a "loucura" de
cada um - se ele olhar para o prédio da frente, nem precisa de muita
criatividade: estamos em uma agência.
Não o vi por esses
dias, mas pelo menos uma vez por semana o cachorro de rodinhas aparece. Sim.
Ele tem rodinhas - acho que não dá para chamar de cadeira de rodas umas
rodinhas que fazem as vezes de patas traseiras. Meu horário coincide com seu
passeio e ele aparece sempre com a língua para fora, guiado pelo rapaz de
moletom.
Os meninos de moletom.
São vários e cada um deles trás no mínimo, quatro cachorros cada. São os
"dog walkers" comuns por aqui.
É comum o susto
ouvindo passos rápidos e respirações pesadas a noite enquanto se caminha por
aqui. Há os atletas também que, transpirando, sobem e descem a Grajau infinitas
vezes.
Buzinas. Acenos e
cumprimentos. Enfim, há os conhecidos que transitam pelas mesmas calçadas que
esses personagens que, ao que tudo indica, já estavam aqui quando chegamos.
Esses talvez nunca tenham
percebido tudo isso. Mas é só olhar por lado e perceber a graça da vizinhança
da Grajau.