domingo, 17 de fevereiro de 2013

Almoço com a Estrela

Nota: Minha avó perua, já se foi. Não almoço mais nesse lugar...acho que nem escrevo mais assim. Mas o que essa estrela me ensinou, tenho comigo para sempre.

Sempre aos sábados o movimento naquele restaurante aumenta. As mesas cheias onde desconhecidos almoçam lado a lado por falta de espaço e, muitas vezes, não trocam uma palavra.

Como eu, sabe? Não gosto que chegue alguém:" - Com licença, posso me sentar aqui?";. Não gosto mesmo; mas não digo não...É bem verdade que não gosto de almoçar sozinha. Mas o típico "papinho de elevador": - É...tá calor hoje, né?! não combina comigo.

E pra evitar esse tipo de situação, evito esse restaurante nesses dias. Mas naquele dia eu estava lá. Sentei na última mesa do último canto pra ser a última pessoa a ser vista. No geral, as mesas do canto são menos procuradas. Por mim, sem problemas.

E sentada, almoçando, comecei a observar. Uma velhinha - porque senhora é muito formal e ela era bem velhinha mesmo, de pele negra, cabelo bem branquinho, com um conjunto de saia verde musgo, lencinho de crochê branco na cabeça e toda ajeitadinha chegou e sentou-se na última mesa do último canto, onde eu estava. Organizou os talheres, o copinho de plástico com a água e levantou seu prato rezando baixinho. Acho que agradecendo por aquela comida.

Lindinha ela! Eu não conseguia parar de observá-la. Em seu prato arroz, feijão e uma coxa de frango. Aliás, o melhor frango do mundo: ela pegou-o com a mão e foi desfiando a carne com a ajuda da faca. Ali, quietinha. Indiferente ao
ambiente e as pessoas que a cercavam.

Minha mesa tava concorrida. Uma outra senhora sentou ao meu lado. Devia ter 70 anos. Eu já a vi algumas vezes por ali: sempre arrumada, maquiada e cheia de anéis. Muito parecida com minha avó (porque minha avó tem 83 e é perua mesmo!!!).

Pra falar a verdade, essa minha nova companheira de mesa devia estar ali há mais tempo. Mas eu só a vi quando disse: - Esse frango está maravilhoso, não?- se dirigindo a senhorinha do lenço de crochê. E essa continuou ali. Ela e o
seu frango, como antes: muda.

Eu já havia terminado de comer e continuei observando a velhinha. Acho que ela nem me viu. Terminou seu almoço, tomou sua água e repetiu aquilo que eu penso ser uma oração. Quando mexeu em sua comanda eu não pude resistir. Estiquei meus olhinhos maquiados: R$1,00. Olhei de novo pro copinho de plástico. Aquilo não era normal. Ainda mais naquele lugar. No mínimo, se encantaram por ela como eu.

Fiquei pensando com meus botões e ela, nem aí pra mim, levantou-se. Nem sei que rumo tomou depois disso porque fiquei ali, imóvel, absolutamente fascinada com a beleza daquela criaturinha que não passava de metro e meio calculando o quanto já viveu, o que já superou e o muito que me ensinou ali quietinha, comendo seu franguinho com a mão.

Sabe aqueles dias que tudo é tão simples e complexo que não tem o menor valor? Quando a gente precisa tomar uma lição de moral? Pois é! Ela adivinhou!!!

Voltei naquele restaurante hoje. Quem sabe ela estaria lá. Só encontrei aquela parecida com minha avó. Mas minha professorinha não.

Próximo sábado vou almoçar lá de novo. Sentarei na última mesa do último canto e esperarei por ela. Fazia tempo que não levava um chacoalhão da vida. E ela nem sabe o que fez...


Publicado em 06/01/2005: http://www.aradionave.jex.com.br/pataphysica/pandora+box

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